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Máscara

Foto do escritor: Reca SilvaReca Silva

Conto que escrevi há 10 anos, inspirada pela canção: Bastidores (Chico Buarque)


MÁSCARAS


O espelho estava lá, a olhá-la, a acusá-la, a confrontá-la, denunciando toda sua fraqueza, toda sua covardia, toda sua agonia... Parecia feliz em zombar de sua fragilidade, dizendo que ela poderia passar o tanto de corretivo que fosse, poderia até ficar branca como cera, que o inchaço de seus olhos não desaparecia. Estaria lá toda a noite, para que houvesse suspeitas de sua intima tragédia e curiosidade pública.


Respirou fundo, enfrentou seu inimigo tentando resgatar aquele sangue frio, que seu lado intérprete sempre lhe pedira, seu público não merecia tamanha falta de consideração, naquele tempo ele era mais importante que muitos de seus problemas domésticos, afinal, quem era que a fizera chegar onde estava? Lembrou-se então do inicio de sua carreira, dos sonhos que tivera... E da luta que teve para chegar onde estava... Sempre fora prática, calculista e precavida, tanto na maneira de lidar com o assédio da imprensa, quanto na forma de escolher seus relacionamentos pessoais. E ainda assim tantas vezes já se apaixonara e se dilacerava... Aquela não seria a primeira nem a última vez que um buraco tão fundo adentrava seu peito... Sim, precisava reagir, lembrar que já passara por situações muito mais constrangedoras e deprimentes que aquelas...


Como tinha decidido a permanecer sozinha com sua dor, naquele ato tão melodramático que a mulher nunca poderia viver sem, acabou antes dispensando sua camareira... Não queria perguntas, não queria indagações, e muito menos não queria piedade... E quem era ela para ser digna de piedade? Não, seu amor próprio ainda existia e por ele reagiria... Já passava aquele constrangimento com um inanimado e desumano espelho, não aceitaria nunca ser protagonista de barata novela mexicana diversão de seu público, não ela, que nunca precisara de um escândalo pessoal para escalada artística, não ela que nunca precisou daquela desprezível mídia, seu público, sua entrega no palco, seu dom. já eram ferramentas não ser a si mesma...


Relembrou novamente a falta da camareira, e disposta a se acalmar serviu-se da sua tradicional taça de vinho pré show... Que em muitas vezes tomava para tirar um pouco do nervosismo comum mediante a eminente entrada no palco, e agora servia como um temporário antidoto contra humilhação, contra aquela vontade que sentia de rastejar-se ainda mais do que já havia rastejado em toda aquela relação... Talvez o lado bom do fim era aquele, o fato de saber que seria a última vez que sentiria se diminuída, talvez toda aquela amargura sentida seria fundamental para seu total desapego, desprendimento, esquecimento, sabia que sentiria no dia seguinte apenas lamentações pelo lapso de ingenuidade que sentira... Lapso, sim veria como lapsos aqueles 2 anos de entrega, que comparados com sua experiência de vida, não ocuparia nem 1 décimo da sua vida, mas que poderia deixar marcas profundas...


Não, não poderia pensar no amanhã, não poderia imaginar nem sequer como seria aquela noite voltando para aquele lar, que agora seria apenas seu Lar (Se é que ainda poderia ser um lar...).Não poderia sofrer por antecipação imaginando como estaria fria aquela cama, que só não estaria vazia, por ser agora dividida com o deprimido São Bernardo, que acreditaria ela, sentir tanta falta do dono quanto ela... Que agora estaria órfã do seu toque, do seu calor, da consumação diária de um "nós" que agora se resumia a um "eu", um eu tão despedaçado, tão marginalizado que esquecia dos sonhos já realizados, projetos efetivados, metas a ainda serem alcançadas. E principalmente da certeza de que ele não iria voltar...


Um torpor que dominava seu corpo e relaxava músculos, passava-lhe a informação de que o pouco álcool ingerido fazia efeito, sussurrava em seu ouvido a necessidade que tinha de deixar de tolices e ser a mulher prática e séria que aprendera a ser, lembrando que estava a poucos minutos de inebriar seus admiradores quando soltasse aquela aveludada voz no microfone, que ecoaria por todo aquela espaçosa casa de shows...

Sabia dos furtivos olhares que receberia de homens bêbados e febris que se rasgariam por ela na plateia, desejando-a. Sim, era desejável, ainda tinha este orgulho... Embora soubesse que naquela noite ainda teria o pesadelo e ilusão de imaginá-lo naquele salão caçoando de sua fragilidade, sabendo de todo seu disfarce, e da falsidade de sua forçada sensualidade, que viria apenas para vingar-se de todo aquele abandono sentido, usando aquele vaidade masculina que tanto sabia que ainda o afetaria... Mas não que não seria suficiente para compensar as cicatrizes que ele deixara em seu amor próprio... Sim nada adiantaria...

Certificando-se do que restava, terminou então a maquilagem, sabendo que não estava num dos seus melhores dias, mas que faria sim um dos seus melhores shows, já que tinha a sua eterna música como aliada, sua eterna confidente, companheira, à quem desabafaria sua tristeza, cantando assim um lamento que ninguém sequer teria um dia ouvido de boca, com tanta alma e entrega, e que faria que acreditassem que aquilo nada mais seria que apenas um número de uma perfeita e conceituada intérprete, que seria no dia seguinte comentado nas mais famosas críticas artísticas.... Chegaria então sua consagração.


Com a respiração agora tranquila, e aceitando a entrada de seu assessor no camarim, recebeu a informação que chegara a hora, em 15 minutos entraria no palco. Foi então para a coxia, ouvindo ansiosos gritos que clamavam por sua presença, por sua noite, posicionou-se no seu eterno palco e fechou olhos relembrando a letra da canção que iniciaria todo aquele monólogo Musical. E as cortinas se abriam juntamente com aquele sorriso tão conhecido pelo público ...


Por: Reca Silva.

Osasco, 19 de Maio de 2014

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